segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Açougue e oficina são cultura no DF

Cama e travesseiro, carro e garagem, arroz com feijão, escola e professor. Todas as pessoas são, em certa fase da vida, condicionadas a associar corretamente os pares. Só que, às vezes, é preciso aceitar que a ligação açougue e livro também pode ser correta. E as oficinas mecânicas, além dos parafusos, podem ser sedes perfeitas para peças teatrais. No Distrito Federal, iniciativas pioneiras como o Teatro Oficina Perdiz e o Açougue Cultural T-Bone mostram que combinações inusitadas são possíveis, muito positivas e podem ajudar toda a comunidade.

O Teatro Oficina Perdiz, localizado em Brasília, na quadra 708/709 Norte, concilia há 18 anos comércio e cultura. No local, veículos são consertados de dia e peças teatrais são apresentadas durante a noite. O dono da oficina, José Perdiz, reconhece que, em seus 75 anos, poder oferecer o espaço para manifestações artísticas é uma das suas maiores satisfações pessoais. “Meu trabalho nunca foi fácil, nem tenho dinheiro para bancar apresentações. Mas ajudar os outros e incentivar a cultura é fundamental, mesmo em tempos de dificuldade”, afirma Perdiz.

Ele fornece o espaço da oficina para apresentações teatrais sem cobrar aluguel e confessa que, só depois de ver mais de 100 peças no seu estabelecimento, descobriu o sentido e o poder das artes cênicas. “Quando a gente não entende a arte, é fácil falar que não gosta. Após ver o sofrimento dos atores na montagem das peças, a ansiedade nas apresentações e nos ensaios, passei a compreender o universo por trás das cortinas e me encantei”, conta.

Para a atriz brasiliense Ana Paula Pousa, que participou da peça História de Algum Lugar, apresentada em 1996 no teatro de Perdiz, a iniciativa do mecânico deveria servir de modelo para projetos semelhantes em todo o Brasil. “É uma forma de provar que, para quem quer levar cultura para mais pessoas, espaço físico nenhum é obstáculo”, conta. Ela admite que, mesmo para o ator, contracenar em palco tão inusitado como o de uma oficina é uma experiência enriquecedora e única. “Parece que a sua arte cria dimensões muito maiores que o conjunto cortina, palco e platéia”, analisa.

A oficina foi transformada em espaço cultural por acaso, quando o sobrinho de Perdiz pediu o espaço do tio emprestado para ensaiar com seu grupo de teatro, em 1975. Mas foi em 1989 que o estabelecimento virou palco de vez. Os camarins e arquibancadas improvisados para a primeira peça no local permanecem lá até hoje. Entre 1991 e 1992, o teatro de Perdiz chegou a atrair públicos de mais de 7,5 mil pagantes, em peças históricas do local como Bella Ciao, por exemplo. A dupla funcionalidade do espaço também inspirou o cineasta Marcelo Díaz, que filmou em 2006 o curta-metragem Oficina Perdiz, vencedor do Troféu Câmara Legislativa do DF.

Açougue cultural
Mas não é só o Teatro Oficina Perdiz que mostra a consolidação do Distrito Federal como um dos grandes pólos de incentivo à arte do país. Atualmente, Brasília e o entorno contam com 19 centros culturais, 34 teatros e casas de espetáculos, 25 museus, 17 galerias, 14 cinemas e mais de 15 bibliotecas. Logo a lista será complementada com paradas culturais, pontos de ônibus com livros gratuitos à disposição dos passageiros. A iniciativa é da ONG Projetos Culturais T-Bone, filiada ao açougue de mesmo nome.


Dono e idealizador do T-Bone, primeiro açougue cultural do mundo, Luiz Amorim, coordena hoje mais de dez projetos de incentivo à leitura e às artes no Distrito Federal. Quando comprou o estabelecimento da 312 norte, em 1994, Amorim, apaixonado por literatura e filosofia, não hesitou em colocar uma prateleira com dez livros no canto da loja. Com as doações dos clientes, o acervo logo chegou a quase 10 mil volumes. Mas a vigilância sanitária achou anti-higiênico tantos livros próximos a carnes cruas e, por causa disso, interditou o local.

Ao invés de desanimar do açougue cultural devido ao episódio, o dono do T-Bone resolveu ampliar a iniciativa. Em março de 2003, Amorim alugou duas lojas na 712/713 norte e criou a Organização Não-Governamental (ONG) Projetos Culturais T-Bone. Cheio de estantes, o espaço rapidamente passou a contabilizar mais de 20 mil livros, todos de acesso gratuito e sem burocracia para a comunidade. “O açougue traz alimento para o físico, mas são os livros que abastecem o espírito”, defende Amorim.

A ONG conta hoje com o trabalho de voluntários e, principalmente, parcerias com empresas privadas e instituições governamentais preocupadas com a comunidade. Os voluntários participam das iniciativas da ONG e atuam como contadores de histórias para crianças, por exemplo, no projeto Brincando com Arte, que incentiva a literatura infantil por meio de contos, músicas e atividades recreativas.

Quem quiser também pode ajudar a ONG doando livros para a Biblioteca. Para ser melhor estruturada, a ONG passou a contratar funcionários para dedicação parcial e integral aos projetos. “No começo, quando a Biblioteca Comunitária foi fundada, muitos amigos se animaram com a idéia, mas logo foram se afastando porque não tinham tempo, tinham outros compromissos. Não dava para levar uma ONG com parcerias inseguras assim”, explica a assessora de comunicação do T-Bone Francisca Azevedo.

Paradas Culturais
Atualmente, a ONG tem projetos consolidados e de reconhecimento no DF, como a Parada Cultural, uma das iniciativas mais inovadoras do T-Bone. Os livros são colocados em pontos de ônibus da via W3 Norte, uma das principais de Brasília, e os passageiros podem pegar quantas obras quiserem. Cerca de 80 empréstimos são feitos por dia nas dez paradas da W3. As pessoas registram os livros que pegaram em um caderno, para o controle da ONG.

“Brasileiro gosta de ler, mas não tem acesso ao livro. Prova disso é que, em dois meses de Parada Cultural, já foram três mil livros emprestados”, enumera Amorim. Sobre o risco de roubo de livros, já que as paradas funcionam 24 horas sem qualquer fiscalização, o dono do T-Bone não se preocupa. “Os usuários passam por lá todos os dias, então 80% do pessoal já se conhece e um explica ao outro como funciona. Não seria um projeto cultural e social se a gente já começasse pensando que iria dar errado. Além do que, as doações ainda são maiores que as perdas”, avalia.

Usuário da parada da 712 norte, o vendedor Francinaldo de Castro Silva confessa que fica feliz em ver o ponto que freqüenta diariamente incrementado por livros. “É uma iniciativa muito legal, uma forma de levar a leitura às pessoas mais pobres e, claro, de fazer o ônibus chegar muito mais rápido”, brinca. Contagiado pelo projeto, ele já pensa em doar para a ONG as obras que guarda em casa. “Se na parada o livro leva conhecimento para mais pessoas, é bobeira deixá-lo encostado em casa”, argumenta.

A ONG ainda tem várias outras iniciativas, como o projeto Encontro com Escritores, já em sua 18ª edição. O evento reúne autores nacionais e regionais para um bate-papo gratuito com a comunidade. Às quintas-feiras, cerca de duzentas pessoas se reúnem para o Amigos da Cultura, projeto de incentivo à arte, com misto de lançamento de livros, exposições, música e saraus. Para incentivar a inclusão social por meio da educação ambiental, o T-Bone realiza o Sede de Cultura, projeto que atende crianças entre 7 e 14 anos da Cidade Estrutural, região do entorno de Brasília.

Fonte: http://www.ruminandocultura.blogspot.com/